quarta-feira, 8 de maio de 2013

Pernambuco: ‘Tenho milhares de filhos para cuidar’, diz mãe que luta contra a homofobia

Eleonora Pereira perdeu filho espancado até a morte, há 3 anos, no Recife. Desde o crime homofóbico, ela integra o movimento Mães pela Igualdade.

EleonoraEntra noite, sai noite e a enfermeira Eleonora Pereira da Silva, 50 anos, não esquece os momentos que tinha com o filho ao chegar em casa, depois de um dia de trabalho. Ela já não toma mais o chá de erva-cidreira oferecido pelo caçula no jantar para curar o cansaço. “Dizia: ‘mãe, tome pra se acalmar, faz bem’”, recorda-se. Desde 2010, a rotina de afeto familiar foi interrompida. Naquele ano, José Ricardo foi assassinado, aos 24 anos. Espancado por dois homens, não resistiu aos ferimentos e morreu um dia depois no Hospital da Restauração (HR), no Recife. A Polícia Civil de Pernambuco identificou, prendeu os suspeitos do crime e concluiu: o rapaz foi vítima da intolerância sexual. “Perdi meu amigo, meu confidente, a minha vida”, lamenta a mãe.

O crime deu novo rumo ao dia a dia de Eleonora, hoje integrante do Mães pela Igualdade. O movimento nacional de mulheres luta contra a homofobia e pelos direitos dos filhos gays, lésbicas, travestis e transexuais. “Ele partiu, mas deixou milhares de filhos para eu cuidar”, diz a enfermeira, que largou o trabalho nas unidades de saúde e atualmente dedica a maior parte do tempo a organizar palestras, percorrer escolas, órgãos do governo e outras instituições na tentativa de conseguir apoio e sensibilizar famílias a respeitarem os homossexuais.

“Tem mãe que esconde, nega, sente vergonha, culpa, porque a sociedade impõe a família tradicional, a que está na Bíblia, como pregam religiões. Mas a família de verdade é aquela que você ama. José Ricardo foi desejado como meus outros dois filhos, que são heterossexuais. Foram gerados por nove meses e criados com amor. Não é porque o filho se identifica homossexual a partir de um momento que merece ser excluído. É nessa hora que você vai deixar de ser mãe?”, reflete.

A bandeira defendida por Eleonora também condena práticas até hoje disseminadas. “Eu lembro, desde pequena, de discursos religiosos dizendo que o gay era uma pessoa possuída pelo demônio. Já trabalhei em hospitais psiquiátricos e vi muitos sendo internados para tratamento de choque por causa da condição. Ao ter um filho gay, percebi que ele nasceu assim. Acompanhei José Ricardo desde a infância e já notava que a forma de ele brincar era diferente da dos irmãos, que gostavam de futebol, bola de gude. Ele não, preferia as bonecas, sempre foi mais amoroso”, afirma.

A força para lutar pela causa, conta Eleonora, surgiu durante o sepultamento de José Ricardo. “Para mim, a dor maior foi preparar o enterro. Quando você vai ter um filho, compra o enxoval, escolhe a roupa para sair da maternidade, arruma o berço. Nesse momento da partida, o berço passa a ser o caixão, você compra flores, é obrigada a escolher uma roupa para enterrar seu filho, e aí é só tristeza porque você sabe que nunca mais vai vê-lo. Quando me vi diante da situação, prometi a ele que iria até o fim por justiça.”

Apesar de não estar ligada diretamente aos movimentos gays antes da morte do filho, Eleonora sempre fez parte de organizações de defesa dos direitos humanos. Para ela, isso serviu de combustível para cobrar da polícia a investigação do crime. “Eu enterrei meu filho em uma segunda-feira e, na terça, fui à Secretaria de Defesa Social. A primeira delegada do caso me disse uma frase homofóbica. Afirmou que ele era culpado da morte por ser gay e estar em uma via pública à noite. Então, se você é homossexual, tem que ficar trancado, preso?”, desabafa.

Sem aceitar o andamento do inquérito, Eleonora fez denúncia à SDS, que substituiu a delegada. “Por meses fiquei no pé da polícia, até que tudo fosse esclarecido, fiz questão de ir à apresentação à imprensa dos detalhes do crime. Que mãe faz isso? Todas deveriam fazer.” As investigações, concluídas em março do ano passado, apontaram que o espancamento de José Ricardo foi motivado pelo preconceito. O resultado foi o indiciamento de dois homens pelo homicídio. O caso está na 3ª Vara do Júri da Capital. “Até hoje sou ameaçada e tive que me mudar da comunidade onde morávamos. Recebo ligações de intimidação com números suprimidos, mas não podia nem posso ficar calada, de forma alguma”, ressalta.

Somente este ano, de acordo com o Centro Estadual de Combate à Homofobia, ligado à Secretaria Executiva de Justiça e Direitos Humanos, do governo do estado, 12 homossexuais foram assassinados em Pernambuco; em 2012, foram 33 homicídios.

Mobilização
Neste mês, Eleonora Pereira tem uma extensa agenda de atividades para conscientizar famílias que têm filhos gays. Nesta sexta (10), participará do encontro estadual do Mães pela Igualdade, na sede da Secretaria Executiva de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco. O movimento, que reúne outras centenas de mulheres de várias partes do país, como São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Bahia, também tem reunião marcada para junho, em Brasília.

Na próxima terça (14), a mãe de José Ricardo integra seminário com ONGs e conselhos tutelares para discutir formas de ampliar o atendimento aos adolescentes LGBT. Em 17 de maio, Dia Internacional de Combate à Homofobia, estará em uma escola municipal, na Zona Oeste do Recife, para tratar do enfrentamento à homofobia nas unidades de ensino.

No dia 21, a ativista tem mais que um compromisso. Participa, na sede da Ordem dos Advogados (OAB) de Pernambuco , do lançamento do Instituto José Ricardo, com a presença da ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário. “É a realização de um sonho. A morte do meu filho até hoje me dói, mas com isso teremos mais força para lutar por dignidade em um estado que ainda é homofóbico. Minha intenção é fazer com que outras mães não sofram como eu”, almeja.

fonte: G1

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